O RIBULIÇO
Tava Raimundinho no maior flerte com a nêga Sulamita, quando um comichão começou a subir desde a sola do pé até a cumieira do quengo, passando pela maria Joana, espinhela e tripa gaiteira, causando o maior ribuliço, o maior alvoroço nos grugumins do nego, assulerando o coração, deixando Raimundinho apoquentado, arretado, agoniado que não dava mais pra suportar, até que decidiu tomar tento e dar uns apertos em Sulamita.
O Negrinho respirou fundo, levantou o toitiço, arrumou o cachaço e decretou:
- Vou dar uns acôcho nessa nêga e vai ser agora, nestante.
Sulamita era uma nêga meio troncuda, beiço grosso, peitos pequenos, cinturinha de pilão e cadeiras que mais pareciam feitas de mola, de tanto que balançavam. Era uma nêga reboculosa demais, nêga faceira, dessas que deixam a gente nos cascos, arretado e sem juízo.
Raimundinho deu o sinal e a Nêga entendeu foi logo.
Era pra ir pra detrás da casa paroquial, a Nêga sabia que lá existia um cantinho reservado, aconchegante, que era o que eles mais precisavam.
Quando Raimundinho chegou, Sulamita já estava lá, chega tava de venta acesa.
Só foi a Nêga avistar Raimundinho, deu um pinote, se abufelou com o pescoço do nego, o nego se abufelou com ela, os dois se abufelaram de tal maneira que ficava difícil, quase impossível, saber o que era de Raimundinho e o que era de Sulamita, quem era Raimundinho e quem era Sulamita.
Eles estavam tão amucegado, mas tão bem amucegado que não perceberam o ribuliço que se formava em torno deles.
É que Dagoberto, apesar de ser um negão forte, de quase dois metros de altura, era meio abestaiado, muito roliço pros gostos da nega Sulamita e por isso, levou um fora da Nêga.
O negão vivia jururu, capiongo e vivia pastorando a nêga. Ele notou o sinal que Raimundinho fez pra Sulamita e, ferido nos brios, virou fera ferida e, coração em alvoroço, gritou pra quem quisesse ouvir:
- Vou pegar esses dois no furdunço, vai voar caco de nêga pra tudo que é lado e esse xibungo, esse fi de quenga vai ver com quantos tabefe se faz um resto de home.
Raimundinho era um cabôco desses atarrachado, meio amarelo, meio índio com um quinhão
de negro mas, acima de tudo, era safado. Desses que apesar de não valer um traque, não valer nem um cibasol, consegue agradar; toda gente gosta dele talvez por ser tão safado.
E, talvez tenha sido também por isso mesmo, que a nêga Sulamita tenha se interessado tanto pelo safado do Raimundinho. O danado parece que sabia acaititar as mulheres, sabia como “pilotar” uma nêga daquele “quilate”.
Dagoberto foi certeiro, foi direto, ele já sabia da existência do cantinho, Sulamita já havia levado ele lá mas, ao que parece, ele não soube “aproveitar as delícias” do lugar, ou da nêga.
Ele chegou e foi logo gritando:
- Raimundim seu fí d’uma égua, solta essa nêga que agora ce vai se abufelar é mais eu. Agora ce vai ver o que é quiprocó, agora ocê vai ver o que é fuzuê, e essa nêga vai aprender a respeitar os sentimento que eu sinto por ela.
Raimundinho ainda pensou em dar um catiripapo em Dagoberto e se escafeder no oco do mundo mas, viu logo que não era um bom negócio pra ele, medir forças. Um cangapé só de Dagoberto podia desmontar todo seu esqueleto.
Aos poucos foi se desapregando da nêga, ganhando tempo, arrumando as idéias e, não se sabe como nem de onde ainda arranjou coragem para falar grosso com Dagoberto:
- Óia aqui “Dagô”, nois num tava fazendo nada demais , visse???
A “intimidade” do “ Dagô”, mais o descaramento de Raimundinho, deixaram Dagoberto ainda mais furioso. O cabra fungou, botou “fogo” pelas ventas, ciscou mas, no ferver da ira, perdeu Raimundinho. O neguinho escapuliu numa desabalada carreira, despinguelou no oco do mundo numa carreira tão medonha que, dizem a boca pequena, foi parar
Quanto a Dagoberto, esse conseguiu casar com a nega Sulamita mas, com uma condição imposta por ela:
- Nosso primeiro filhinho vai se chamar Raimundo, viu meu “GOSINHO”???
Dagoberto “não entendeu muito bem” essa exigência da nega mas, era besta de num aceitar????
Abestaiado – abobalhado , bobo, imbecil
Abufelar - agarrar
Abufelaram - agarraram
Acaititar - acariciar
Acocho - arrocho
Amucegado – pendurado, pregado
Apoquentado – afobado,
Arretado – excitado, com raiva
Assulerando - acelerando
Atarrachado – baixo e grosso
Cabôco - caboclo
Cachaço – parte posterior da cabeça, toitiço
Cangapé – ponta pé dado na batata da perna do outro
Capiongo – tristonho, macambuzio
Catiripapo – golpe de capoeira
Cibasol – antigo comprimido para dores e má digestão
Comichão - Sentimento de aflição, impaciência, ansiedade
Cumieira - culminante, cume
Despinguelou – soltou-se, correu
Escafeder – sumir, desaparecer
Escapuliu - soltou
espinhela - o apêndice xifóide
Flerte - Namorico inconseqüente
Fi de quenga – filho de prostituta
Furdunço – barulho, desordem
Fuzuê – furdunço, barulho, confusão
Grugumins – gorgomilos, goela, garganta
Jururu – tristonho, acabrunhado
mais eu - comigo
maria Joana – osso da parte interna e final da perna, junto ao tornozelo
Nestante – nesse instante
Nos cascos – em ponto de bala, excitado ao extremo
Quengo - Bras. Pop. Cabeça.
Quiprocó – qüiproquó, confusão
Reboculosa – faceira, frajola
Ribuliço – reboliço, confusão
Roliço - gordo
Toitiço – parte posterior da cabeça, nuca, cachaço, toitiço
Tripa gaiteira – intestino grosso
Xibungo – xulo, pederasta